Se você frequenta a comunidade Asatrú/Vanatrú na internet, você vê brigas em páginas e comentários. É fato, você vê. Dois dos assuntos mais discutidos são política e o culto à ancestralidade. Sobre o primeiro não vou falar aqui, e se você veio até aqui esperando uma postura esquerda vs. direita, você vai se arrepender. Esse texto é sobre o culto aos ancestrais. Mais do que isso, é meu modo de dizer para vocês que ancestralidade não tem nada a ver com etnia. "Mas Mats, é por causa da sua ancestralidade que você tem sua etnia!" Sim, meus ancestrais eram brancos, e por isso eu sou branco, mas isso é só a minha forma física, é só uma das muitas partes que formam quem eu sou, e por mais que eu me orgulhe disso, não me faz melhor ou pior que ninguém. Já disse em muitos textos: essa é uma fé prática, você é o que você faz. Sendo assim, eu não sou a minha pele, assim como não sou minhas tatuagens, minha barriga, minha falta de cabelo ou a minha barba que não decide sua cor. Eu defino o meu corpo, e não o contrário. Mas os meus ancestrais tem um papel muito maior que tudo isso ao me definir, porque eles definem o que eu faço. Meu vô me ensinou a sempre limpar o molho do prato com um pedaço de pão, minha vó me ensinou a fazer lasagna de um jeito que ela aprendeu com a avó dela, e sei lá onde a avó dela aprendeu. Pode parecer pequeno para uma pessoa normal, mas comida é minha vida, e foi aí que tudo começou. Eu cultuo meus ancestrais numa base diária, honro eles com as minhas ações. Mas por centenas de anos, esses meus ancestrais foram católicos. O que eu faço com isso? Sabe, se o culto fosse centrado nos ancestrais, eu teria que replicar os costumes familiares, o que me levaria a ser católico, como foi a tradição por centenas de anos. Mas não é centrado nos ancestrais, essa é só uma parte das nossas práticas, que são, sim, grandes e inclusivas. E uma coisa que muitos que discutem a coisa pelo lado do "Ah, mas eu tenho ancestrais germânicos..." e os "Mas seus ancestrais vieram de (insira país aqui) e nem tiveram contato com esses deuses!" esquecem é que não é o culto SÓ dos MEUS ancestrais! Nossa tradição diz que os deuses criaram a humanidade. e diz também que Heimdallr veio à Midgard como Rigr (embora alguns discutam que esse era, na realidade, Odhinn), e se deitou com uma mulher, dando origem às três classes da humanidade. Karl (homem livre) foi seu primeiro filho, Jarl (Conde, senhor de terras) o segundo, e o mais novo Konungr (rei), e todos assumiram o nome de Rigr. E desse modo o sangue dos deuses foi inserido na humanidade. Aliás vou deixar bem claro, foi inserida naquele povo. Aquele povo que eu não tenho prova nenhuma de ser conectado por linhagem de sangue. E ISSO NÃO IMPORTA. Não importa por que quem me chamou à essa fé foram os deuses, não os meus ancestrais. E quem decidiu seguir esse caminho e lutou nele fui eu, não meus ancestrais. Então os deuses me chamaram pra fazer parte de um outro povo. E nesse ponto tudo parece ficar confuso.
Eu recebi a porta de entrada para participar de outro povo, honrar outra ancestralidade, Mas e os meus ancestrais, sem os quais eu não estaria aqui hoje, o que eu faço? O que eu faço é bem simples. Eu honro as duas linhagens. Honro o povo dos deuses que escolhi em todos os momentos de ritual, seguindo os costumes deles sem misturar minhas experiências pessoais vindas da minha ancestralidade, e honro meus ancestrais nos meus costumes que recebi da minha família. Porque é arrogante demais eu misturar os costumes dos meus ancestrais no culto à esses deuses (com uma breve exceção aos rituais que envolvem os ancestrais, nesses eu acho que a união é bem vinda). É arrogante demais eu escolher uma nova religião, escolher um caminho, e ainda assim querer fazer tudo do meu jeito o tempo todo. É criancice. Assim como é criancice querer me achar melhor que alguém por ter uma ancestralidade ou outra. Aliás, se você faz qualquer um dos dois, aos meus olhos você não passa de um babaca. Eu sou e o que sou, e aceito e respeito o que você é. Eu posso viver a minha vida honrando os meus ancestrais, assim como uma outra pessoa pode honrar seus ancestrais africanos, asiáticos ou indígenas da mesma maneira. E do mesmo modo, se formos fazer um ritual juntos, estaremos todos seguindo os mesmos costumes do povo ao qual fomos chamados pelos deuses. É por isso que racismo não tem espaço nessa fé. Porque sua raça não importa. Não deveria importar. Seus atos importam. Sua dedicação importa. Seus valores importam. E se você se levanta quando alguém ofende os ancestrais dos outros importa.
0 Comentários
Todo novo Heathen conhece as Nove Virtudes. Elas circulam em imagens de força guerreira pela internet, compartilhadas aos montes como forma de provar que nós não somos bárbaros e selvagens, que nosso código de conduta é superior. Mas esse é mesmo O nosso código de conduta? O nosso caminho começa sempre sendo trilhado à partir dessas nove nobre virtudes, e aos poucos descobrimos que elas não são leis, não são mandamentos. Nós somos livres, as virtudes são só um guia. Um guia aliás, criado por nomes e associações que recebem exatamente zero do meu respeito pessoal. Uma lista foi codificada por membros do Odinic Rite e da União Britânica de Fascistas e Nacional-Socialistas, e a outra lista, pelo pessoal da AFA. Zero respeito pelos nomes e organizações, mas respeito pelas virtudes. Porque elas mudaram com o tempo, se mesclaram. O "Ancestralidade é melhor que a falta de raízes" da lista da AFA não se vê, mas ficaram a coragem e a perseverança. As virtudes são boas, e boa parte das pessoas que as usam são boas. Mas não para aí, pois as virtudes não são o único guia. Outros guias comportamentais são O Objetivo Sêxtuplo e Os Nove Fardos. O Objetivo foi discutido em A Book of Troth, de Edred Thorsson, e adotado por algumas organizações, como o Ring of Troth, e se apresenta em seis aspectos, que devem ser buscados em nosso dia-a-dia: Direito, Sabedoria, Poder, Colheita, Frith e Amor. Direito é a justiça da lei, moldada pelas nossas tradições e nosso povo. Aqui entram as leis sob as quais vivemos em nosso país, ou leis que aceitamos em kindreds ou grupos que adentramos, e não se apresentam como um meio de cercear a liberdade, mas sim, como um modo de guiar o bom senso e bom julgamento em todas as questões, para que um mundo iluminado floresça. E daqui nasce nosso desejo de ver um mundo racional. Esse aspecto vem de Tyr. Sabedoria é o fruto do esforço e estudo, mas é acima do conhecimento. É tradição e esforço, é a junção de Hugr e Munr, é perceber os poderes que habitam à nossa volta e compreendê-los. Acima de tudo a sabedoria deve ser preservada, pois nela reside nossa memória e nossa esperança, pois se apenas ela sobreviver, as outras partes podem ser regeneradas. Dela nasce nossa curiosidade e senso de aventura, e é vigiada de perto por Odhinn. Poder é manuseado por Thor, e nele está fundido vitória e proteção. Sem o Poder, todos podem cair e ser engolidos por aquilo que é de fora da nossa verdade, como já foram. Mas o Poder deve sempre se submeter ao Direito e à Sabedoria, e servir sempre os propósitos da Colheita e do Frith. Dele vêm nossa vontade de vencer e conquistar, tanto coisas grandes quanto pequenas, espirituais e mundanas. Daqui vem nossa sede de crescimento e vitória, assim como nossa responsabilidade de proteger a quem amamos. Colheita é sagrada à todos os Vanir. É o recolher das coisas boas da natureza, que assegura nossa continuidade, em gado saudável e lavoura fresca. É a necessidade da continuidade do ciclo, do florescimento. É a volta de toda semente plantada, boa ou má. Esse objetivo inclui os nosso ciclos, e dele nascem nossa vontade de abundância e bem-estar. Frith é nossa própria palavra para "paz", mas uma paz harmônica, o estado real onde todos as partes do objetivo são buscadas e atingidas por um grupo. No Frith está a real liberdade, a harmonia orgânica que buscamos. Embora Frith não signifique ausência de conflito, pois esse às vezes é necessário para o crescimento. No Frith nós não aprendemos a nos aquietar, mas sim a nos movimentar de forma orgânica e harmoniosa, em luta ou trabalho. Esse aspecto está sob os cuidados de Freyr e Freyja. E por Freyr e Freyja também é presidido o Amor, que é a lei da vida, personificada no Senhor e na Senhora do Amor. Esse Amor é puro e poderoso, mas não desprovido de desejo e luxúria. Dele nasce nossa vontade do prazer, e sua essência começa no plano físico, na união entre duas pessoas que se amam, mas continua e cresce ao espírito. Ao procurar o prazer nós experimentamos a mais pura vontade pela vida. O profundo poço do desejo age de baixo para cima, assim como a sabedoria age de cima para baixo. Esses dois aspectos formam um laço sagrado que mantém os seis aspectos unidos. Esses são todos os aspectos do objetivo. Se você quer usá-los como um guia na sua vida, minha sugestão é que comece meditando um a um, cada um por pelo menos um dia (ou até compreender onde ele se encaixa na sua vida). Aplicar esse guia não é fácil, não no mundo e tempo em que vivemos. É um exercício constante de reavaliação, de crescimento. O que você leu é uma breve descrição do quão amplo é esse objetivo, e o quanto ele pode te levar a ser uma pessoa melhor. Você só precisa tentar. Matsveinn Freyjasson Jarl e co-fundador do Kindred Corvos de Pedra. Cozinheiro, lutador nas horas vagas, e professor em tempo integral. Wir sind wer wir sind. Estava lendo (mais uma vez) O Senhor dos Anéis, e me deparei com uma passagem que me lembrou algo que boa parte dos heathens passam no começo de sua jornada: a mudança de nome. É normal que, ao fazer o Juramento Asatrú/Vanatrú, ou ao entrar em um kindred, o heathen em questão assuma um novo nome. Eu mesmo assumi um, Matsveinn. A razão para isso é que o meu nome de nascimento, apesar de importante e dado à mim pelos meus pais (e no meu caso ainda mais, já que é o mesmo nome do meu bisavô), é o meu "nome de batismo". Simples assim, é o nome que me deram em outra fé, uma que eu renunciei. Embora eu não guarde raiva do meu nome de nascimento, eu senti que era necessário assumir um novo nome, um nome que fosse meu, e sei que muitos outros sentiram essa mesma necessidade (embora a maioria nunca tenha colocado seus motivos por escrito). Eu recebi muitos pedidos de ajuda para ajudar a criar os novos nomes de várias pessoas. Porque nem todos tem a sorte de receberem um nome novo dos irmãos, mesmo que esse venha primeiro em uma brincadeira. E eu mesmo sofri para encontrar o meu. Mas por onde começar? "Pois não vou lhes dizer o meu nome; não por enquanto, de qualquer forma. (...) Em primeiro lugar, porque levaria muito tempo; meu nome é como uma história. Os nomes verdadeiros, na minha língua, contam as histórias dos seres à quem pertencem (...)" (J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis - As Duas Torres, Barbárvore) Se eu te perguntasse "Quem é você?" sua primeira resposta seria o seu nome. E eu diria "Mas eu não perguntei seu nome, eu perguntei quem é você." E eu poderia levar isso longe enquanto você me diria sua profissão, sua personalidade, seus pensamentos. E eu ainda te perguntaria "Quem é você?" Porque no final deve existir uma só palavra. Deve existir aquela palavra que, para você, representa quem você é. Uma palavra que conta sua história. Sei que o costume, vendo nossa Tradição, é que as pessoas procurem nomes bélicos, nomes que tentem mostrar o quanto eles são guerreiros e corajosos. E está tudo bem. Mas eu sempre preferi ir por outro caminho. Considerando que perseverança, coragem e força, pra só dizer alguns, são valores tão importantes nessa fé, é realmente necessário que meu nome diga isso? E se a sua resposta foi sim, e você acha que esses valores contam sua história, você tem sorte. Nessa mesma passagem d'O Senhor dos Anéis, Barbárvore aconselha os dois pequenos Hobbits a nao serem tão apressados e entregar seus nomes à estranhos. Esse conselho eu não vou seguir, dessa vez. Porque vocês já sabem que eu sou Matsveinn. Mas o que é Matsveinn? Em todas as vezes que me perguntei quem eu sou, não import o quão fundo eu fosse, sempre tinha comida no meio. Parece que eu fui o único a nunca entender isso. Porque eu sou cozinheiro, e é isso que Matsveinn quer dizer. Não como profissão apenas, mas isso é quem eu sou. Cozinhando é como me expresso melhor, e é como eu faço as pessoas felizes, e é como eu realizo minha missão nesse mundo. Cozinheiro é a palavra que conta a minha história (mesmo que de um modo apressado demais para o gosto do Barbárvore). E não importa o quanto o tempo passe, esse nome parece não mudar em mim. Eu continuo Matsveinn, continuo cozinheiro. Talvez você já tenha um nome. Mas você tem vivido esse nome? Porque o simbolismo de assumir um novo nome é mostrar aos seus irmãos, aos Deuses e ao mundo que você renasceu, que você está dando mais um passo nesse caminho. Você está honrando seu nome? Talvez o seu nome represente valores que você à muito tempo deixou de seguir. Renasça. Nesse caminho, nós é que fazemos nossas segundas chances. E se você esperava um manual mais prático, procure um dicionário english - old norse na internet (tem vários), encontre ali a sua palavra, e certifique-se de que gosta da sonoridade. Se quiser adicione alguma terminação (como -na, -afr ou -in). Matsveinn Freyjasson Jarl e co-fundador do Kindred Corvos de Pedra. Cozinheiro, lutador nas horas vagas, e professor em tempo integral. Wir sind wer wir sind. ndo(De Cara Freyasdaughter, traduzido por Matsveinn) Quando as pessoas chegam ao paganismo, ou quando aprofundam suas práticas, pode ser difícil saber como se aproximar dos Deuses de maneira respeitosa. As pessoas talvez se preocupem em ofender os Deuses, ou talvez não saibam como construir essa relação com Eles. No entanto, na minha experiência, os Velhos Deuses Nórdicos não são tão facilmente ofendidos quanto você pode temer. Embora seja importante manter uma reverência à Eles em nossos corações e mentes, não precisamos nos curvar ou fazer cada oferenda ser extremamente formal para mostrar nosso respeito. Esses são Deuses da lavoura, guerra, viagem, amor e lar; eles não são Deuses de ritos formais - ou, pelo menos, não necessariamente. Na verdade, dependendo do Deus escolhido, informalidade pode ser a aproximação mais recomendada. Altares, Santuários, Vés e Stallis Um bom jeito de começar essa aproximação com os Deuses é fazer um santuário aos Deuses, ou à um Deus específico. Um santuário é como um altar, mas é um espaço para honrar os deuses, e não tanto para trabalhar com magia (um santuário em um local fechado é chamado de Stalli, e um em um lugar aberto é chamado de Vé). O Santuário pode ser grande ou pequeno. Deve ter uma imagem do Deus ou Deuses (ou um item que o simbolize) e um lugar para deixar as oferendas. Nota: Se você se sente sobrecarregado de informações sobre como começar, escolha um Deus que te interessa mais ou que você se sinta mais atraído que os outros, e foque nesse Deus. Você pode sempre adicionar mais deuses e mais santuários conforme seu conforto com o processo aumente. Enquanto você monta o seu santuário, mantenha essa divindade em mente. Certifique-se de sempre ler os mitos e histórias desse Deus e tudo mais sobre Ele ou Ela que você encontrar, porque apenas o ato do aprendizado sobre um Deus representa, por si só, uma oferenda. Depois, se pergunte quais coisas simbolizam esse Deus pra você, e porquê. Quais comidas ou bebidas você acha, baseado no que leu ou em experiências suas ou de outros, que esse Deus gostaria de receber? Esse Deus é um Deus mais amigável e sociável, ou é mais formal e reservado? Uma vez que o santuário foi criado, dedique alguns minutos por dia à ele. Você se coloca, de pé ou sentado, de frente pra ele e diz algumas palavras de glorificação, como "Poderoso Thor, controlador do Mjölnir e protetor da humanidade, eu te honro" ou "Linda Idunna, suas maçãs cheias de vida mantém os Aesir jovens e fortes", ou pode pedir alguma ajuda ou conselho para eles como "Odin, me dê coragem e inspiração para passar esses dias" ou "Freyja, me ajude a ver a beleza no mundo e em mim." É sempre melhor tentar incluir alguma informação sobre Ele e sua Tradição, pois isso mostra o quanto você se dedicou ao aprendizado. Se você diz de modo hesitante e quieto, ou alto e impetuoso... mais importa que você diga com real vontade, e os Deuses irão te ouvir. Se você ainda não sabe o que dizer, se coloque diante do santuário e permaneça ali, quieto, por alguns momentos, pensando nos Deuses. Você também pode usar um poema ou prece que outra pessoa escreveu, e ler em voz alta, ou deixar uma cópia no seu santuário. mas as palavras não precisam ser em nenhuma métrica, nem precisam ser em Nórdico Antigo (mas eu tenho certeza que os Deuses iriam apreciar se você usasse o seu tempo e esforço pra incluir isso). Mas eu descobri que apenas dividir algumas palavras do coração é mais poderoso. Se, por qualquer razão você não consegue construir um santuário aos Deuses (se, por exemplo, você não tem onde colocá-lo), você ainda pode se aproximar de vários jeitos. Um jeito é visitar um lugar onde o Deus em questão poderia se apresentar. Por exemplo, se você quer se conectar com Njord, tente ir à uma praia ou cais. Se quer se conectar com Thor, vá para fora de casa durante uma chuva com trovões. Se quer se conectar com Frigga, visite algum pântano. Desse modo, mesmo se você não tem um espaço reservado para Eles na sua casa, você pode pelo menos visitá-los em seus lugares preferidos. Outro jeito é visitar um local que é sagrado para você, e tentar se conectar à Eles nesse lugar. Independente da rota que você escolher, certifique-se de que quando você estiver realmente falando com os Deuses, que você o faça com reverência em seu coração e mente aberta. Nunca se sabe; os Deuses podem até responder. Huginn's Heathen Hof Huginn's Heathen Hof é um site devotado a fornecer recursos aos Hethens e Asatruar e solidificar a comunidade Heathen. Visite www.heathenhof.com (De Xander Folmer, traduzido por Matsveinn) Eu amo essa comunidade. Eu amo a tolerância aberta do guarda-chuva pagão tanto quanto a força pé-no-chão e a praticidade do Heathenry. Existe uma razão para eu ainda ser um heathen. Heahenry está longe de ser perfeito, mas nunca disse que seria. Parte dessa força vem do reconhecimento nossas próprias imperfeições e do trabalho para melhorar, tanto enquanto indivíduos como enquanto comunidade. E esse é o porquê eu escolhi escrever hoje sobre algo que nossa comunidade não gosta de falar. A comunidade Heathen não lida bem com doenças psicológicas ou depressão. Pronto. Está dito. Eu já escrevi antes sobre como nossa comunidade coloca uma ênfase tão grande no valor da auto-suficiência (sem mencionar uma certa quantidade de machismo) que pedir ajuda pode ser uma luta grande. Como um heathen eu frequentemente senti que falar sobre depressão iria mais me trazer julgamento que ajuda. Pra um grupo que é normalmente focado no Frith e em ajudar os amigos e irmãos, heathens podem ser incrivelmente não-prestativos quando o assunto é a batalha mental ou emocional. Você provavelmente vai ouvir um "seja homem!" brusco antes de qualquer conselho construtivo, ou mesmo um ouvido amigo. A comunidade de fé de alguém deveria ser um bálsamo, não um fardo. Se não podemos nos voltar ao nosso próprio Kindred ou Clero para conseguir apoio entao qual é o propósito deles existirem? Se nós excluímos aqueles entre nós que mais precisam de nossa ajuda, como nós esperamos construir organizações reais e duradouras? E talvez mais frustrante ainda é o fato de que nossa Tradição FALA sobre isso, mas isso é normalmente ignorado. Se você quer ver como até o mais forte e devoto heathen pode sofrer com a depressão, você não precisa olhar além do próprio Pai-de-todos. Sim, Odin, rei de Asgard, glorioso senhor da batalha e mestre entre os poetas, luta com esses mesmos demônios internos. Por toda a Tradição, Odin regularmente batalha com problemas que aqueles entre nós que tiveram que lidar coma depressão podemos reconhecer. O Pai-de-todos não é uma pessoa feliz por natureza. Uma vez após a outra nós o vimos carregando o fardo do arrependimento e dos destinos que ele não pode controlar. Enquanto sua história progride, sua constante luta o muda enquanto pessoa. Ele se torna mais e mais cínico, olhando o mundo com menos esperança, e mais ceticismo. O Grimnismál nos traz uma das visões mais claras disso, e nas palavras do próprio Odin. Huginn ok Muninn fljúga hverjan dag Jörmungrund yfir; óumk ek of Huginn at hann aftr né komit, þó sjámk meir um Munin. Huginn e Muninn Voam todo dia Sobre o vasto mundo Eu temo por Huginn Que talvez não volte para mim Mas por Muninn é que temo mais. O que Odin Pai-de-todos teme mais? Não a morte, não o Ragnarök, mas a perda de seu Munr. O Munr é uma parte do conceito nórdico antigo do ser, e é a palavra de onde o nome Muninn deriva. É a parte da mente que engloba as emoções. Embora não existe nenhum correspondente em inglês [nem em português, até onde meus conhecimentos vão], a melhor tradução seria desejo ou (força de)vontade. O que ele expressa aqui é o medo de perder sua paixão pela vida, ou, mais precisamente, seu desejo de viver. O deus caolho carrega o peso do conhecimento extraordinário, e nem todo conhecimento traz alegria. Nós vemos suas palavras no Hávamál expressar a mesma ideia quando ele diz "Não existe pior doença para o sábio que não ter mais nada para se apaixonar". E assim é a depressão. Ou, no mínimo, como pode ser. Imagine que sua mente é um motor de combustão interna, e você só tem um tanto de combustível para passar o dia. Cada tarefa ou interação social te custa tanto combustível que no final do dia ele acaba e você vai pra cama exausto. A pessoa normal pode escolher dedicar seus recursos como desejar e raciona-los para se certificar que eles durem até a hora de "recarregar". Agora imagine que você não consegue desligar o motor. Você gasta recursos para fazer as coisas, mas entre essas tarefas seu motor ainda está lá, gastando combustível. E ainda mais estressante é o fato de que você não consegue "recarregar" direito. Você nunca completa o tanque, porque seu motor nunca para. Tudo que você quer tentar e completar deve ser feito com o barulho constante da dúvida, arrependimento, preocupação e medo. Qualquer morro parece uma montanha porque você tem que carregar tudo isso com você. Durante os pontos mais difíceis de depressão, só reunir a energia necessária para demonstrar uma emoção pode ser exaustivo. Como gastar essa energia quando você já começa o dia com o tanque na metade e te custa o dobro da energia pra cumprir até as tarefas mais comuns? Não importa se você tem noção disso, se você consegue se dizer o que está acontecendo. Não tem um botão mágico de desligar para consertar o problema. Nenhuma quantidade de força de vontade vai fazer isso desaparecer. Então o que o Pai-de-todos nos ensina sobre lidar com esses assuntos? Certamente que não é pra "virar homem e seguir com a vida". Para Odin nunca faltou força de vontade. Depressão não é um sintoma de fraqueza. Quando se convencer a sair da cama de manhã já é uma guerra, e cada interação social parece um teste de fogo, mas você ainda tem que levantar e fazer tudo isso, nenhuma parte disso é fraqueza. Não, Odin nos mostra como achar um tipo diferente de força. Eu disse muitas vezes que Heathenry é, acima de tudo, prática. Odin não acha um tipo de cura mágica, porque não existe uma. Na verdade ele Luta uma guerra em dois frontes todos os dias, lutando com inimigos tanto de dentro quanto de fora. Então onde ele consegue a força pra confrontar isso? Kith e Kin Odin mesmo disse. Se apegue ao que você é apaixonado. É sempre mais fácil lutar por aqueles que amamos do que é lutar por nós mesmos. Todos nós já vimos. Quantas vezes nós deixamos um insulto passar apenas para achar aquela última gota quando aqueles que amamos são atacados? Mesmo quando seria uma coisa tão simples desistir porque nao temos a energia para ligar, quando a família chama (sangue ou nao) nós encontramos um caminho. Todos nós temos pessoas que dependem de nós. Parceiros que merecem um amante funcional. Filhos que dependem de nós para a vida. Pais que nos deram tudo que eles tinham para que nós florescecemos. Amigos que precisam saber que eles podem nos chamar quando os tempos ficarem difíceis, porque eles fariam o mesmo para nós. É por isso que é especialmente horrível ver essas pessoas sendo repreendidas e diminuídas por aqueles que deveriam ser sua fonte de força e inspiração. Essas pessoas juntaram a força de vontade pra encarar o mundo, e aí a coragem para pedir ajuda dos seus amigos, apenas para serem chamados de fracos pela própria coisa que deveria estar o ajudando a seguir em frente. Quando vemos esses em nossa comunidade pedindo ajuda, a última coisa que eles precisam ouvir é "Supere". A resposta certa está bem aqui na nossa tradição: "Você é querido, você é necessário, e você é aceito como você é." Huginn's Heathen Hof Huginn's Heathen hof é um site devotado a fornecer recursos aos Hethens e Asatruar e solidificar a comunidade Heathen. Visite www.heathenhof.com Olhando para uma árvore, podemos ver quantas vezes seus galhos se cruzam. Cada galho veio de seu caminho, e segue seu caminho. Pode se entrelaçar com o outro ou se separar de todos os outros para se sustentar, sozinho. Pode se aproximar aos outros e juntar suas folhas e flores, formando um campo sólido colorido, ou seguir só, e apresentar com orgulho suas flores e folhas. As pessoas, como os galhos, se cruzam. Se unem ou seguem seus caminhos. É assim em um kindred. As pessoas podem ir e vir. Muito falamos de como o kindred é uma família, e assim ele é, para quem parmanece, para quem estava ali no seu nascimento. Para outras pessoas, um kindred é parte do caminho, ou uma passagem. Essas pessoas precisavam cruzar o caminho ali, para depois seguir. Devemos entender que não existe mal em alguém sair de um kindred e seguir em seu caminho. Um ex-membro, que tenha saído em paz, não deve se tornar um inimigo, traidor, ou piada. Ele é alguém que caminhou com a família. Muitos de nós passamos por grupos antes, dentro ou fora da fé. E falta no povo heathen uma coisa fundamental: Gratidão. O Asatrú/Vanatrú é reconhecido como uma fé de ferro, uma fé para fortes. E de fato, é. O que deve-se entender é o que é força. É força se recusar a pedir ajuda aos seus irmãos? É força esconder um problema? É força negar o seu passado e naqueles que te apoiaram? É força pressionar as pessoas à serem como você? É força abandonar os laços com seus amigos do passado, só porque saiu de um grupo? Corvos de Pedra em seu ninho. São muitas coisas, e aqui vou falar apenas da parte disso que convém à gratidão. Em sua vontade de passar uma força guerreira maior que outras fés "mais pacíficas", evitar ser alguém que dá a outra face ou que apenas sorri pra os problemas, o pagão às vezes deixa para trás conceitos pacíficos que lhe fariam bem. A gratidão é uma delas. E antes que falem de gratidão e flores e good vibes, considerem Gebo. a runa Gebo. A runa do presente, que alguns acreditam representar duas vigas de sustentação se cruzando. Ela representa uma troca igual, um presente por outro presente, essa é a tradição, não é? Mas como fazer uma troca justa do apoio dado no caminho da fé, da energia usada em blót, da ajuda em um momento de necessidade? Como honrar essas atitudes? Comece sendo grato pelo que seus agora ex-irmãos fizeram por você. Depois, mantenha os laços de amizade, se não houve briga. E então, não seja falso, não fale mal de seus ex-irmãos, considere o quanto eles te ajudaram. Mas a importância da gratidão vai além. Ela não mancha seu caminho, ela não abala o que você viveu e aprendeu com aquelas pessoas. Ser grato é olhar pro que tem de bom no passado e lembrar que não é pra lá que você está indo, mas aquilo está te impulsionando ao seu destino. É ter o espírito leve quando o mundo é tão pesado, é saber que o seu lado dessa gebo é forte. É ser adulto. É saber, acima de tudo, que você continua sendo uma pessoa boa. Matsveinn Freyjasson Jarl e co-fundador do Kindred Corvos de Pedra. Cozinheiro, lutador nas horas vagas, e professor em tempo integral. Wir sind wer wir sind. Não é raro que, após identificarem o Mjolnir no meu pescoço, me perguntem se sou odinista (apesar de ser mais comum perguntarem de sou viquem). E sempre que tempo e paciência me permitem eu corrijo dizendo que sou, na verdade, Asatruar. Não que eu condene o "ismo" do odinismo, mas essa é uma religião politeísta, identificar a religião com o nome de apenas um é, no mínimo, injusta. Mas, infelizmente, não para por ai. Vejam vocês, eu sou branco. E, para ir mais longe, precocemente calvo, o que me faz raspar a cabeça. Tudo isso torna a pessoa questionando o símbolo religioso em meu pescoço defensiva. Não é de hoje que o paganismo nórdico tem a fama de racista, e essa não é a primeira vez que nós nos posicionamos contra o racismo em nossa página. Essa semana a AFA (Asatru Folk Assembly, dos Estados Unidos) finalmente saiu do armário com sua posição contraria à não-brancos e não-heterossexuais no Asatru. Mas sabe, isso é no que acreditamos, e independente de quantas pessoas venham reclamar nos comentários e mensagens, nós seguiremos contra qualquer tipo de preconceito no Asatru/Vanatru. Mas para você, novo heathen, vou dar uma pequena explicação para que não caia nas mesmas ciladas que eu caí. Muitos grupos, alianças e instituições que se denominam Asatru são folkistas, e isso quer dizer que eles pensam e pregam que o Asatru/Vanatru é restrito à quem possui ascendência européia (em casos mais radicais, apenas nórdica e germânica). Eles dizem que seu discurso não é racista, e sim "separatista". "Não há melhor ou pior, amigo, há apenas o que é meu e o que é seu, e está tudo bem", "cada um deve beber de sua própria fonte, sabe?". Eu questiono até onde isso faz sentido. Eu entendo a vontade de honrar seus ancestrais, mas muitos dos meus ancestrais foram católicos, deveria eu me manter na fé católica, uma fé que não me representa, não me satisfaz e com a qual eu discordo? Ou eu deveria pesquisar e cavar o passado, procurando fés e deuses esquecidos do mais primordial dos meus ancestrais? Me faz mais sentido procurar o meu caminho, que me complete e no qual eu acredite, honrando meus ancestrais com os meus atos, não com os deuses que eu homenageio em ritual. Em seu livro, "Nós não somos racistas", Gamlinginn diz "Asatru é uma religião multi-étnica -e não porque isso é 'politicamente correto', mas porque multi-etnicidade é fundamental para a teologia do Asatru. Asgard, lar dos Aesir, é multi-étnica. Por exemplo, Magni e Modi, filhos de Thor, também são filhos de sua mãe, Jarnsaxa, que é Jotunn. E quem vai dizer a Thor que seus filhos não podem participar de algo porque não são de uma 'raça pura'?" É até difícil ser mais claro que isso. Por outro lado existem os grupos universalistas. Neles o discurso é aberto: o Asatru é para todos. Simples assim, para todos. E isso também faz sentido? Novamente eu entendo excluir raça, orientação sexual e tudo mais da questão, e apoio. Mas todos? Não, Asatru/Vanatru é pra quem tem força, é pra quem aguenta percorrer o caminho. É isso que alguns outros grupos, como o Corvos de Pedra, acreditam. Somos Tribalistas. Eu não estou aqui pra te dizer se você pode ou não praticar a fé, e na verdade, eu não ligo. Mas se você quer praticar comigo, eu tenho que confiar em você com a minha vida, eu tenho que saber seus valores e ter certeza que eles se alinham com os meus. Eu tenho que saber que a gente pode discordar em inúmeras questões, mas que no fim do dia o seu abraço vai ser sincero. Porque acredite, amigo, quando o sol se põe e só sobra a luz da fogueira, a cor da pele não diz nada, mas o brilho nos olhos vai te revelar quem é ou não é seu irmão Matsveinn Freyjasson Jarl e co-fundador do Kindred Corvos de Pedra. Cozinheiro, lutador nas horas vagas, e professor em tempo integral. Wir sind wer wir sind. O pagão, principalmente no asatru/vanatru, tem o costume de dizer aos quatro ventos como sua religião é livre, de como não possuímos o conceito de pecado. Realmente não temos nenhum mandamento, não temos esse conceito de pecado. E duas coisas nascem disso: as pessoas de fora não sabem como mantemos um código de conduta e surgem pagãos irresponsáveis e insensíveis. Não é porque não temos pecado que não entendemos ofensa. Um pagão consciente preza não só por sua liberdade, mas pela liberdade alheia. Um pagão consciente sabe que sua liberdade tem um limite: a vida de outra pessoa. Não temos pecado mas tudo o que você faz que fere a vida de outra pessoa é uma mancha em sua honra. Tudo o que você faz para causar o mal é um peso a mais no seu fardo. Ninguém te disse "não roubarás", mas será que os Deuses te olharão com bons olhos se você tomar o que não é seu por direito? Ninguém disse "não matarás", mas matar alguém sem lhe dar a dignidade de um combate te tornará um guerreiro honrado? Pecado ou não, a ofensa existe, e existirá enquanto vivermos em uma sociedade. Mas como lidar com a ofensa cometida. Existe perdão? Pedir perdão não é nada além de pedir para ser absolvido de uma ofensa, e não é uma atitude digna de uma boa pessoa. O perdão, pedido ou dado, não muda nada além da culpa. O certo é reparar, com atitudes, o erro, e tentar trazer de volta o que sua ofensa destruiu, ou substituir com algo novo, algo melhor. Saiba então, que da próxima vez que ofender alguém, não deve perguntar "Você me perdoa?", você deve perguntar "O que posso fazer para reparar o meu erro?". Uma boa pessoa vai reconhecer seu erro e repará-lo, além de tentar fazer a vida das pessoas à sua volta melhor, seja essa pessoa pagã ou não. Matsveinn Freyjasson Jarl e co-fundador do Kindred Corvos de Pedra. Cozinheiro, lutador nas horas vagas, e professor em tempo integral. Wir sind wer wir sind. |
Corvos de PedraSomos um kindred de São Paulo, no Brasil, seguidores da fé Asatrú/Vanatrú. Archives
Fevereiro 2017
Categories |